quinta-feira, 29 de abril de 2010

O Mendigo

Oi. Eu sou o que vocês costumam chamar de mendigo. Nasci de uma mulher cujo marido nunca vi e também nunca soube dele, até porque minha mãe se recusava a tocar no nome dele. Quando eu tinha 7 anos, ela morreu sem explicação. Na época, eu tinha um amigo da mesma idade que eu, e depois que minha mãe morreu, nós fazíamos tudo juntos: pedíamos esmolas, deitávamos sobre papelões para dormir, jogávamos bola com latas de refrigerante vazias, etc. Até que um dia, ele desapareceu, após uma noite de sono, com as moedas que eu havia guardado da última vez que pedi esmola.

"Coitado de você!", vocês pensam. Na verdade, eu não me vejo como coitado, e sim a vocês. Sempre que eu pedia esmola, ganhava poucas moedas mas as recebia com uma felicidade que vocês jamais poderão experimentar. Isso porque a vida para vocês é fácil demais, mas eu não tenho raiva, tenho pena. Vocês se esqueceram de valorizar o dinheiro que vocês tem por terem muito dele. Apesar de vocês terem dinheiro, vocês definitivamente não sabem valorizá-lo e, acreditem, prefiro estar na condição que estou do que na de vocês.

"Mas com o dinheiro que ganha, mal consegue se alimentar direito! Como prefere a sua condição do que a nossa?", vocês pensam. Na verdade, não me vejo como esfomeado, e sim a vocês. Com a pouca esmola que recebo, compro menos comida do que preciso, realmente. Mas a cada vez que como, experimento de uma sensação que vocês jamais poderão experimentar. Isso porque vocês possuem comida demais, e quanto mais comem, mais querem comer. Mas eu não tenho raiva, tenho pena. Vocês não conseguem mais valorizar o suprimento que vocês tem por terem muito dele. Apesar de vocês terem muita comida, vocês definitivamente não sabem valorizá-la e, acreditem, prefiro estar na condição que estou do que na de vocês.

"Mas você não possui ninguém na sua vida que te ame! Você não sabe o que é o amor! Como prefere a sua condição do que a nossa?", vocês pensam. Na verdade, já ouvi falar sobre o amor, mas nunca soube o que ele é realmente. Mas, provavelmente, vocês também não. O amor é uma das coisas que mais ouço falar, mas nunca experimentei. Deve ser algo raro, algo único. Algo que até vocês que possuem tudo acham difícil de encontrá-lo. Garanto que eu, que não possuo nada, daria ao amor o valor que ele merece realmente. Então não me importo em não ter amor, mas pelo menos eu sei o valor que ele teria para mim se eu o tivesse, e com certeza é bem superior ao valor que vocês dão a ele, pela forma como vocês o tratam.

Eu, sinceramente, prefiro ser um mendigo do que ser qualquer um de vocês. Vocês podem pensar que sou louco, mas não sou. Podem pensar que falo bobagens, mas não falo. Um dia, tanto eu quanto vocês iremos morrer, e todos nós não teremos mais nada. Todos nós iremos perder tudo o que temos e somos. Tudo o que vocês juntaram a vida inteira sumirá, e vocês não terão nada assim como eu. Mas eu, como mendigo, guardei em mim o valor das coisas por não tê-las. Guardei em mim o valor do dinheiro, o valor do alimento, e estimei o valor do amor como o que há de maior no mundo. E sem perceber, guardei em mim o valor da vida, porque todo dia vivia como morto. E agora, que todos nós estamos mortos, o que nos restou? Em mim, pelo menos, restou a vida que eu nunca tive.

Um comentário:

Unknown disse...

MUITO MUITO MUUUITO SHOOOW!